domingo, 20 de julho de 2008

Cláudia

Na escola secundária havia muito o hábito de irmos para fora da escola ver a paisagem (que normalmente tinha saias ou calças justas).

Estávamos no inicio do ano lectivo adolescência e hormonas ao rubro, e os meus olhos sondavam aquela rua em busca de novas paisagens com maior atenção que um radar em plena guerra.

Subitamente, surgiu o sinal de um avistamento desconhecido a norte. Não era nenhum avião aliado, mas também não era conhecido por inimigo. Mas de facto era um avião...

Parecia deslizar suavemente apenas centímetros acima do chão. Incrível como, antes mesmo de a avistar, já via ao fundo da rua uma luz brilhante, pura e intensa, a anunciar a sua chegada. O ritmo dos seus passos mais pareciam marcar o ritmo da canção dos Doors que eu entoava na minha cabeça:

Hello, I love you
Won't you tell me your name?
Hello, I love you
Let me jump in your game

She's walking down the street
Blind to every eye she meets
Do you think you'll be the guy
To make the queen of the angels sigh?

Jovem mulher, arriscaria dizer na infância dos seus trintas, alta, esbelta, a fragância tentadora do seu perfume só era superada pelo seu hipnotizante sorriso que contagiou toda a rua. Aquela mulher fazia-se notar e muito! Subitamente, e para meu espanto, entrou na escola. Quem seria?

Era dia de apresentações mas sempre tive curiosidade de saber quem seriam os novos professores. Dirigi-me para o corredor, e aquele cheiro delicioso voltou a enebriar-me. Estaria a sonhar ou seria.... Não pode ser!

-Olá turma, chamo-me Cláudia, sou a vossa nova professora de Filosofia!

Ainda meio atordoado, sentei-me. Esta bela mulher seria a minha professora! Durante a aula apenas pude tomar atenção a toda aquela energia positiva que vibrava nela. O seu olhar terno, doce, meigo, a maneira como colocava as mãos no seu colo. A delicadeza dos seus dedos e aquele gancho do cabelo! Aquele gancho trespassava o seu cabelo enrolado na sua nuca do mesmo modo que o cupido trespassava os corações de quem a via.

Numa certa tarde de chuva, saio da escola depois da aula de Filosofia, e toda a rua parecia chorar algum amor perdido. Porém, vejo que me esqueci do manual e volto á sala. Toda a escola parecia agora morta, vazia, sem vida. Ao entrar na sala sinto novamente aquela fragância enebriante. Vi uma silhueta em contra luz em cima da secretária, imóvil, quem seria e o que faria ali a esta hora? Aproximei-me mais um pouco, e a mudança da minha posição em relação á claridade permitiu-me vislumbrá-la melhor.

Mas que raio? Era a Cláudia e estava sentada em cima da secretária. A sua saia curta, agora deixava mostrar mais um pouco os seus collants. O que faria ela ali naquela hora?

Por momentos pensei em ficar ali assim. Imóvel também, contemplando aquela bela obra de arte. Queria acreditar que se ficasse assim quieto, ela ficaria ali, só para mim, seria tão feliz assim apenas a venerá-la.

Mas os seus olhos lindos notaram a minha presença e tocaram nos meus, fiquei sem palavras, tentei articulá-las mas a lingua enrolava-se a cada tentativa. Ela percebeu, e pediu-me para me aproximar.

Sentia-me preso a este encantamento, não pude resistir. Fui até ela, parei a uns escassos centimetros. Demasiado perto para poder escapar das garras dela, mas demasiado longe do que queria realmente estar! Olhei bem para ela, consegui ver detalhes que nunca tinha visto enquanto aluno, os seus óculos davam-lhe um ar intelectual, mas o sinal estrategicamente colocado quase ao canto do lábio dava, por sua vez, um ar muito sensual.

Perguntou-me o que me trazia ali, a aquela sala, naquela hora. Apontei para o meu manual, felizmente esquecido naquela mesa. Fui buscá-lo, voltei-me novamente para ela, e ela, com o seu olhar, mostrou-me o que lhe ia dentro da alma. Senti ser uma mulher que tinha dedicado toda a sua vida ao seu trabalho, á paixão de ensinar filosofia, mas que lhe faltava algo na sua vida. O nosso diálogo era silencioso. as palavras eram desnecessárias naquela conversa, apenas iriam deturpar toda a pureza dos nossos olhares.

Dela, ouvi nos seus olhos, que tudo o que sempre tinha querido era alguém que a amasse realmente, alguém que a entendesse, e que lhe pudesse mostrar o seu papel como mulher. Senti que tinha passado muitos anos sozinha, obstinada com os seus estudos, tentando mostrar que conseguia vencer na vida, mesmo sem a ajuda de um homem.

Mas agora havia chegado a altura de o lado feminino dela reclamar o seu lugar, reconquistar a sua alma. Notava-se perfeitamente nos seus olhos.

Mas não era eu aquele que a iria salvar daquele estado. Apenas me restou sorrir para ela, de alguma forma, dar-lhe muita esperança e força. Ela sorriu de volta, assinalando que tinha percebido a mensagem.

Poucos meses depois, ela pediu transferência para outra escola, queria estar mais perto do homem que tinha despertado aquele lado dela.

Senti-me muito feliz por ter ajudado aquela jovem professora a soltar-se de todas as amarras, e a tornar-se naquilo que mais belo existe: Uma bela mulher, em cujos olhos arde a chama da paixão...

1 comentário:

Jardineiro disse...

pode-se percorrer meio mundo e nao se encontrar...
e por vezes basta ir para perto...
é apenas um jogo ...
da sorte, do azar... o jogo da vida...

as vezes a simples presença é mais importante que tudo o resto